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ANAXIMANDRO E DEMÓCRITO![]() |
Anaximandro de Mileto |
"Todas as coisas se dissipam onde tiveram a sua gênese, conforme a necessidade; pois pagam umas as outras o castigo e a expiação pela injustiça, conforme a determinação do tempo." (fragmento 1 de Anaximandro).
[Obs.: É evidente que essa visão moralista da natureza é uma continuidade dos mitos gregos de Diké e Nêmesis, deusas que personificam a "justiça", a retribuição inelutável, a dívida inescapável, e que inexoravelmente "dá a cada um o que lhe é devido". Como veremos, a metafísica da escassez continua até os tempos atuais fundamentalmente religiosa, mítica ou mesmo animista.]
De Anaximandro até nós, a maioria das filosofias se baseou em alguma metafísica da dívida, da troca de equivalentes, das recompensas e punições. Nos tempos modernos, o representante talvez mais respeitado (por causa de suas pretensões científicas) dessa metafísica é o entropismo, ideologia que afirma que, sendo o aumento da entropia (portanto, a morte) a regra geral do universo, cada ser é explicado por estar energeticamente submetido a uma relação de austeridade e dívida energética a ser estritamente equilibrada, compensada, paga no futuro.
Porém, uma outra corrente, subterrânea na história da filosofia, também se expressou ao menos desde a Grécia antiga: Demócrito e os demais materialistas afirmavam, de modo geral, que, se existimos, é porque somos gratuitos, supérfluos, já que não haveria nenhum sentido anterior à própria existência: seríamos fruto do acaso (Diné de Demócrito, Clinamen de Lucrécio) - e a necessidade (e portanto, o tempo) é a consistência de cada existente pela qual ele dura, expressa e desdobra essa gratuidade de, em e além de cada ser singular, ou seja, é sua liberdade. [2]
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Demócrito de Abdera |
Essa afirmação fica clara levando-se em conta o modo como os materialistas explicam o mundo: o tempo todo, no universo, incontáveis eventos ou composições (no caso, os atomistas pensavam nas combinações entre os átomos) acontecem simultaneamente, mas como a esmagadora maioria dessas composições não encontra consistência, elas não perduram, se decompõem e se dissipam rapidamente. Por esta razão, é improvável, raro, que algo singular exista além da decomposição praticamente instantânea. A improbabilidade de surgirem e existirem as exatas coisas singulares que percebemos perdurarem e se desenvolverem a nossa volta, assim como nós mesmos, é ainda maior, é praticamente infinita. É por isso que cada ser singular que surge e perdura no universo é gratuito, sem dívida, sem culpa, porque não possui nenhum sentido singular pré-escrito na "lei geral da natureza", que é destruição dissipativa. Ou seja, é pela gratuidade, é pela superfluidade que existimos, agimos e criamos. Não devendo nada a alguma lei transcendental de escassez geral, até porque, na verdade, o que é geral não é escassez, mas abundância destrutiva, superfluidade dissipativa, "lei geral" que é responsável pela destruição, ao fim inevitável, mas não pela geração nem pela duração e tampouco pelo desenvolvimento dos seres (como diziam Lucrécio e Epicuro, na prática, "a morte não é nada para nós"). [3] [...]"
O texto completo está nesse link: Dissecando a metafísica da escassez
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