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sábado, 11 de março de 2017

Anaximandro e Demócrito

Abaixo, interessante passagem de um texto (Dissecando a metafísica da escassez, publicado no blog humanaesfera) que expõe e contrasta as filosofias de Anaximandro e Demócrito:

"[...]

ANAXIMANDRO E DEMÓCRITO


Anaximandro de Mileto
A primeira expressão filosófica da metafísica da escassez que conhecemos foi exposta por Anaximandro, que dizia que o nascimento dos seres é dívida, e que portanto a vida é paga com a morte: 

"Todas as coisas se dissipam onde tiveram a sua gênese, conforme a necessidade; pois pagam umas as outras o castigo e a expiação pela injustiça, conforme a determinação do tempo." (fragmento 1 de Anaximandro). 

[Obs.: É evidente que essa visão moralista da natureza é uma continuidade dos mitos gregos de Diké e Nêmesis, deusas que personificam a "justiça", a retribuição inelutável, a dívida inescapável, e que inexoravelmente "dá a cada um o que lhe é devido". Como veremos, a metafísica da escassez continua até os tempos atuais fundamentalmente religiosa, mítica ou mesmo animista.]

De Anaximandro até nós, a maioria das filosofias se baseou em alguma metafísica da dívida, da troca de equivalentes, das recompensas e punições. Nos tempos modernos, o representante talvez mais respeitado (por causa de suas pretensões científicas) dessa metafísica é o entropismo, ideologia que afirma que, sendo o aumento da entropia (portanto, a morte) a regra geral do universo, cada ser é explicado por estar energeticamente submetido a uma relação de austeridade e dívida energética a ser estritamente equilibrada, compensada, paga no futuro.

Porém, uma outra corrente, subterrânea na história da filosofia, também se expressou ao menos desde a Grécia antiga: Demócrito e os demais materialistas afirmavam, de modo geral, que, se existimos, é porque somos gratuitos, supérfluos, já que não haveria nenhum sentido anterior à própria existência: seríamos fruto do acaso (Diné de Demócrito, Clinamen de Lucrécio) - e a necessidade (e portanto, o tempo) é a consistência de cada existente pela qual ele dura, expressa e desdobra essa gratuidade de, em e além de cada ser singular, ou seja, é sua liberdade. [2] 


Demócrito de Abdera
Desse modo, reconhecendo que a "regra geral da natureza" é a decomposição, destruição, aumento da entropia (p. ex., o tempo -  verificado pela morte, a que tudo está mais cedo ou mais tarde submetido - e o espaço - os corpos não ocupam o mesmo lugar etc - esse primeiro esboço do conceito de entropia já era conhecido pelos materialistas antigos), os materialistas concluem, ao contrário do que pensava Anaximandro,  que isso significa que cada ser específico que surge e perdura nesse universo se fundamenta na gratuidade, desperdício, superfluidade, dissipação. 

Essa afirmação fica clara levando-se em conta o modo como os materialistas explicam o mundo: o tempo todo, no universo, incontáveis eventos ou composições (no caso, os atomistas pensavam nas combinações entre os átomos) acontecem simultaneamente, mas como a esmagadora maioria dessas composições não encontra consistência, elas não perduram, se decompõem e se dissipam rapidamente. Por esta razão, é improvável, raro, que algo singular exista além da decomposição praticamente instantânea. A improbabilidade de surgirem e existirem as exatas coisas singulares que percebemos perdurarem e se desenvolverem a nossa volta, assim como nós mesmos, é ainda maior, é praticamente infinita. É por isso que cada ser singular que surge e perdura no universo é gratuito, sem dívida, sem culpa, porque não possui nenhum sentido singular pré-escrito na "lei geral da natureza", que é destruição dissipativa. Ou seja, é pela gratuidade, é pela superfluidade que existimos, agimos e criamos. Não devendo nada a alguma lei transcendental de escassez geral, até porque, na verdade, o que é geral não é escassez, mas abundância destrutiva, superfluidade dissipativa, "lei geral" que é responsável pela destruição, ao fim inevitável, mas não pela geração nem pela duração e tampouco pelo desenvolvimento dos seres (como diziam Lucrécio e Epicuro, na prática, "a morte não é nada para nós"). [3] [...]"


O texto completo está nesse link: Dissecando a metafísica da escassez



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